As fábricas de tecido no Brasil já não apitam como no tempo de Noel Rosa. Detonadas pelo real valorizado e pela importação de produtos da Ásia, as indústrias têxteis brasileiras tiveram em 2011 um de seus anos mais amargos. Parece piada de mal gosto, mas enquanto a produção industrial do segmento têxtil registrou queda de 14,88% e a de confecções de 4,4% no ano passado, as vendas no varejo dos dois segmentos subiram 11,82%. A aparente contradição é explicada pelo aumento do volume de produtos do segmento provenientes principalmente da China que está chegando ao país. Nos cálculos do presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Aguinaldo Diniz Filho, que também comanda a Cedro Cachoeira, uma das mais tradicionais companhias do setor em Minas, de 2010 para 2011, o segmento deixou de gerar cerca de 280 mil empregos. Para fazer esse cálculo, ele levou em conta as vagas perdidas e as que deixaram de ser geradas em toda a cadeia nos últimos dois anos.
Em Pará de Minas, na Região Central do estado, uma das quatro fábricas de tecido que fizeram história no município está agonizando e as outras três rodam em situação difícil. Segundo Aprígio Guimarães, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria, a Fábrica Moderna de Tecidos (Famotec), que já teve 270 empregados, hoje só tem 30. “A Famotec está esperando que o soro seja desligado para morrer. A importação de tecidos está arrebentando o brasil inteiro.” Dificuldades do mesmo calibre se replicam em regiões como Americana, em São Paulo, e no Recife, capital pernambucana, locais onde as fábricas de tecidos foram praticamente dizimadas, segundo Júlio Morais, presidente da Cooperativa de Produção Têxtil de Pará de Minas, que já contou com 320 cooperados e hoje tem 200.
A dificuldade de concorrer com os importados está sendo intensificada pela guerra dos portos, que usa como arma descontos de até 80% na alíquota de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para produtos importados e é praticada em 10 estados da federação: Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Maranhão. “Com isso, produtos fabricados no Brasil pagam 12% de ICMS enquanto que os que vêm de fora chegam a pagar algo em torno de 2%”, calcula Flávio Roscoe, presidente da fabricante de malhas Colortêxtil. No ano passado, a balança comercial da indústria têxtil registrou déficit de US$ 4,9 bilhões na comparação com 2010. Desse total, 44% entraram pelos portos que dão incentivos à importação.
Fatia desigual
“A situação está mais complexa do que nunca. A participação dos importados só vai crescendo”, observa Roscoe. Em janeiro, a chegada oficial de importados confeccionados avançou 70% em comparação com o mesmo período do ano passado e a de têxteis, 20%. A situação já obrigou o grupo Colortêxtil – que conta com duas fábricas em Minas e uma no Nordeste – a reduzir em 20% a fiação e a demitir 50 dos 380 funcionários. Há três anos, eram 500. “Os preços estão muito ruins. Sempre que a demanda está menor do que a oferta, eles caem. O dólar vai caindo e a margem (de lucro) vai apertando. A única saída é reduzir a produção.”
Nos cálculos do empresário, o quilo de tecido comprado da China chega ao país entre 10% e 25% mais barato do que o fabricado em território nacional. No caso das roupas, a invasão se dá principalmente no segmento masculino da moda, menos complexo do que o feminino. Nesse caso, segundo Roscoe, a diferença varia de 10% a 50% em cada peça, a favor dos importados.
Em 2011, a indústria de confecções, que engloba desde o vestuário até roupas de cama, mesa, banho e cortinas, registrou aumento de importações de 32,6% em toneladas e de 57,9% em dólares na comparação com 2010. Na indústria do vestuário, as importações saltaram de US$ 1,07 bilhão em 2010 para US$ 1,72 bilhão no ano seguinte. E no segmento de tecidos essa variação foi de US$ 1,35 bilhão em 2010 para US$ 1,58 em 2011. “Estamos gerando emprego na China. O importante para o Brasil não é um produto barato. O bom para o consumidor é emprego e renda. O Brasil está entregando o mercado interno, o seu maior ativo para enfrentar crises. A indústria brasileira não está usufruindo do mercado interno”, desabafa Aguinaldo Diniz.